Sem drama
- indaiatubapibi
- 21 de fev.
- 8 min de leitura

Minhas irmãs e eu sempre rimos ao lembrar de como a mãe lidava com algumas de nossas dores e queixas na infância:
– Mãe, meu joelho dói quando eu dobro a perna assim...
– Então não dobra.
– Mãe, minha garganta dói quando eu tusso.
– Tenta não tossir.
Não me entenda mal, ela é uma mãe cuidadosa e dava atenção quando a coisa era séria. Mas acho que esta era uma forma de evitar grandes dramas numa casa com cinco filhas meninas. (Ainda assim, uma de minhas irmãs já recebeu o apelido de “rainha do drama” – mas não direi qual delas foi!)
Recentemente, li de uma autora que dava a seguinte sugestão para qualquer mal-estar de seus filhos: “Experimente tomar um copo de água”.[1] Gostei dessa nova e acessível solução caseira para males que vão desde desconfortos físicos até a ansiedade antes de uma prova escolar.
Não sei se é genético, mas tenho dificuldade em lidar com doenças, dores e queixas diversas. Quando relevar e ignorar os lamentos – ou oferecer um copo d’água – não resolve, minha saída com meus próprios filhos tem sido: “Diz para o teu pai”. Ele tem mais jeito (e paciência) em sugerir um remedinho, pomada ou algo do tipo.
Às vezes me vejo tentando fazer a mesma coisa com as dores emocionais: parar de pensar nelas e “não fazer drama”. Mas o fato é que ignorar e relevar nem sempre resolve certos problemas.
Então, como lidar biblicamente com as emoções?[2]
À luz da Palavra, sabemos que as emoções são um dom de Deus. São um dos aspectos de termos sido criados à sua imagem e semelhança. Deus tem emoções, e as expressa de forma sempre perfeita, santa e pura.
Sabemos também, pela Palavra, que desde a Queda nossas emoções são contaminadas pelo pecado. Diferentemente de Deus, não as sentimos e expressamos de forma perfeita, santa e pura. Ao contrário, elas nem sempre se apoiam na verdade e, portanto, não são confiáveis para dirigir nossas ações e decisões.
Como mulheres cristãs, não queremos ser controladas ou vitimizadas por nossos sentimentos.[3] Não queremos que eles determinem a forma como vamos viver – como se não pudéssemos ter nenhum controle sobre o que sentimos ou sobre como reagimos.
Também não queremos – eu espero – usar nossas emoções como armas contra os outros. Como aquelas mulheres que, antigamente, “sofriam dos nervos” e, portanto, não podiam ser incomodadas ou contrariadas para não terem uma nova “crise”. Hoje os nomes são outros, mas suspeito que algumas doenças e diagnósticos por vezes sejam usados com o mesmo propósito, de obter atenção, evitar contrariedades ou manipular as pessoas à volta.
Como mulheres cristãs, perseguimos o alvo de ser santificadas – inclusive no que se refere às nossas emoções. Queremos nos tornar equilibradas (Tt 2.5), ter domínio próprio (Gl 5.23) e desenvolver um espírito gentil e tranquilo, que tem muito valor diante de Deus (1Pe 3.4). Embora na juventude seja engraçado, para uma mulher madura não fica bem ser conhecida como “a rainha do drama”!
Então, eu creio, precisamos aprender a lidar biblicamente com nossas emoções. O livro de Salmos é um bom lugar onde procurar ajuda. Afinal, há uma ampla gama de emoções expressas pelos salmistas em circunstâncias bastante reais. O Salmo 116 é um exemplo disso.
Se olharmos com atenção, veremos com que tipo de sentimentos o salmista estava lidando: angústias (v. 3), tristeza (v. 3 e 8), abatimento (v. 6), muita aflição (v. 10), perturbação (v. 11) e talvez desilusão com as pessoas (v. 11).
Tais emoções decorriam das duras circunstâncias que ele estava enfrentando. Embora descrita de forma poética, a situação era grave:
· “Os laços da morte me cercaram; as angústias do Sheol se apoderaram de mim; sofri tribulação e tristeza” (v. 3);
· “Livraste minha vida da morte, meus olhos das lágrimas e meus pés do tropeço” (v. 8);
· “... tu me livraste das minhas cadeias” (v. 16).
Parece que a situação era de morte iminente.[4] Não estamos falando aqui de uma sensação ruim ou de uma pequena tristeza, mas de aflição real e risco à vida. E como foi que o salmista lidou com isso? Ele clamou ao Senhor, que o ouviu e o livrou.
O Salmo começa com esta afirmação: “Amo o Senhor, pois ele ouve o clamor da minha súplica. Inclina seu ouvido para mim; eu o invocarei enquanto viver” (v. 1,2). Esta não foi a primeira nem seria a última vez que o salmista clamaria ao Senhor. Antes, o texto passa a ideia de que existia um relacionamento entre ele e o seu Deus, um relacionamento de amor e de confiança em um Deus que é pessoal, misericordioso e presente.
Uma das coisas mais incríveis deste Salmo são as verdades que ele afirma sobre o caráter de Deus. Veja só:
· “... ele ouve o clamor da minha súplica” (v. 1);
· “Inclina seu ouvido para mim” (v. 2);
· “O Senhor é compassivo e justo; sim, nosso Deus é misericordioso” (v. 5);
· “O Senhor protege os simples” (v. 6);
· “... ele me salva” (v. 6);
· “... o Senhor tem sido bom” (v. 7);
· “... todos os benefícios que ele me tem dado” (v. 12);
· “A vida dos seus seguidores é preciosa aos olhos do Senhor” (v. 15).
Atento, compassivo, justo, misericordioso, bom – e ainda com poder e interesse em salvar, proteger, livrar e abençoar. Que Deus maravilhoso é este, a quem o salmista podia recorrer em suas aflições!
Então, foi isso que ele fez. Vários versículos mostram seu diálogo com o Senhor:
· “Então invoquei o nome do Senhor: Livra-me, Senhor!” (v. 4);
· “Senhor, sou teu servo; sou teu servo, filho da tua serva; tu me livraste das minhas cadeias. Eu te oferecerei sacrifícios de ação de graças...” (v. 16,17).
Mas não foi apenas ao Senhor que o salmista se dirigiu. Após trazer à mente verdades sobre o caráter de Deus e invocar sua ajuda, o salmista também falou consigo mesmo. Ele conversou com sua própria alma: “Ó minha alma, retorna à tua serenidade, pois o Senhor tem sido bom” (v. 7).
Amo este versículo. Não apenas porque ele me soa um pouco como: “Não faça drama!”, mas porque dá o real motivo para isso: “Fique tranquila. O Senhor tem sido bom com você!” Que verdade preciosa para dizermos a nós mesmas quando as emoções estão à flor da pele. Como precisamos lembrar as verdades que sabemos sobre Deus quando os sentimentos estão flutuando e as circunstâncias são assustadoras.
Amo também o versículo 10: “Eu cri, apesar de ter dito: Estou muito aflito.” Vejo aqui o salmista se esforçando para exercitar sua fé, ainda que seus sentimentos não fossem bons. Ele estava aflito, mas decidiu crer. Quantas vezes precisamos escolher crer na verdade, ainda que nossas emoções nos levem em outra direção. Devemos confiar no Senhor e em sua Palavra, ainda que não sintamos vontade de fazê-lo.
O resultado da experiência do salmista é pura gratidão. Se observarmos os verbos no futuro (em itálico), notaremos como ele desejava reagir ao livramento que o Senhor lhe proporcionou:
· “... eu o invocarei enquanto viver” (v. 2);
· “Andarei na presença do Senhor na terra dos viventes” (v. 9);
· “Que darei ao Senhor por todos os benefícios que ele me tem dado? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor” (v. 12,13);
· “Cumprirei meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo” (v. 14);
· “Eu te oferecerei sacrifícios de ação de graças e invocarei o nome do Senhor” (v. 17);
· “Cumprirei meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo, nos átrios da casa do Senhor, no meio de ti, ó Jerusalém! Aleluia!” (v. 18,19).
Como fruto do relacionamento que tinha com o Senhor, o salmista desejava continuar andando em sua presença, invocar seu nome – ou seja, confiar nele e dirigir suas orações a ele[5] – e agradecer publicamente por todos os seus benefícios. A linguagem remete aos sacrifícios de ação de graças do Antigo Testamento, ofertas apresentadas espontaneamente em gratidão ao Senhor.
O caráter público das ações de graças é enfatizado pela repetição do termo: “na presença de todo o seu povo” (v. 14 e 18) e pela menção ao local: “nos átrios da casa do Senhor, no meio de ti, ó Jerusalém” (v. 19). A gratidão pública cai bem para o povo de Deus! Mas receio que, em nossa época de redes sociais, estejamos passando do ponto ao tornar públicos o sofrimento e o lamento – que, na maioria das vezes, deveriam ser levados em particular diante do Senhor.
É interessante como, apesar da gravidade da situação e intensidade das emoções envolvidas, o Salmo inteiro tem o aroma da confiança e da gratidão. Poderíamos resumi-lo com estas palavras:
Diante da iminência da morte e de aflição real, o salmista clama ao Senhor, medita nas verdades sobre o caráter dele, tranquiliza sua alma e deseja demonstrar publicamente sua gratidão pelo livramento de Deus.
Reconheço que existem circunstâncias e dores reais em que apenas “tomar um copo d’água” ou “não fazer drama” não ajudam. Nestes casos, creio que a “receita” do Salmo 116 pode nos ser útil: clamar ao Senhor, meditar nas verdades sobre seu caráter (reveladas na Bíblia), tranquilizar nossa alma e ser inundadas por gratidão.
Isso não funciona como um “comprimido” de efeito rápido – do tipo “Vou ler um Salmo para me acalmar”. Assemelha-se mais a uma dieta saudável, que nos fortalece e mantém sadias no longo prazo.[6] Trata-se, como vimos, de um relacionamento pessoal com o Senhor, de exercitar a confiança em um Deus bondoso e compassivo, que nos salva e protege. O tipo de relacionamento que apenas os filhos têm – aqueles que se tornaram filhos de Deus mediante a fé em Jesus Cristo (Jo 1.12).
Afinal, quem pode dizer como o salmista: “Livraste minha vida da morte” (v. 8)? Apenas aqueles que, estando mortos em seus pecados, ganharam vida por meio de Cristo (Ef 2.1,5). Quem pode afirmar: “Senhor, sou teu servo; [...] tu me livraste das minhas cadeias” (v. 16)? Aqueles que, antes escravos do pecado, foram libertos para servir a Cristo (Jo 8.34,36). Quem são os “simples” a quem o Senhor protege (v. 6)? Os que são como crianças no seu senso de dependência e confiança em Jesus[7] (Mt 5.3,5). Se estou em Cristo, fui tornada filha de Deus e posso ter com ele o mesmo relacionamento de confiança e gratidão que o salmista expressa.
Vejo, então, que minha resposta para as queixas e dores dos meus filhos serve para mim também. Este é um ótimo conselho para lidar com as aflições e dores emocionais: “Diz para o teu Pai”. Porque ele ouve o clamor da nossa súplica. Ele é compassivo e justo; sim, nosso Deus é misericordioso!
Priscila Michel Porcher
Priscila é esposa do Marzo e mãe do João Victor e da Laila. Ela é membro da Primeira Igreja Batista em Indaiatuba, onde ama servir ao Senhor junto às mulheres e na turma de Juniores. É formada em Letras, trabalha com revisão de Português e escreveu Meninos como você, da Editora Peregrino.
Referências
[1] Wilkin, Jen. Renovadas: 10 maneiras de refletir os atributos de Deus. São José dos Campos, SP: Fiel, 2019, p. 21,22.
[2] Veja o Capítulo 8, “Mentiras em que as mulheres acreditam sobre as emoções”, de DeMoss, Nancy Leigh. Mentiras em que as mulheres acreditam e a verdade que as liberta. São Paulo: Vida Nova, 2013.
[3] Brownback, Lydia. Mulheres sábias: a sabedoria dos Provérbios para mulheres. São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 136,137.
[4] Bíblia de Estudo NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. Nota sobre o Salmo 116, p. 1028.
[5] Bíblia de Estudo NVI. São Paulo: Editora Vida, 2003. Nota de Salmo 116.2, p. 1013.
[6] “Nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4).
[7] Bíblia de Estudo NVI. São Paulo: Editora Vida, 2003. Nota de Salmo 116.6, p. 1013.
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